terça-feira, 4 de junho de 2013

Carta à Inteligência Operacional

A propósito do artigo de André Soares intitulado "Os riscos do Treinamento Físico Militar", segue abaixo manifestação recebida por Inteligência Operacional sobre o assunto.

 
Prezado Tenente-Coronel André Soares,

Saudações!

Após ler sua matéria no Jornal do Brasil (em 02/06) que fala sobre os perigos da atividade física militar e os óbitos já registrados, tive a vontade de escrever-lhe porque este assunto, na verdade, é a ponta de um "iceberg" que insistimos em ignorar. Embora, eu não seja formado em medicina ou educação física, conheço muito bem a vida militar e sei das suas nuances, principalmente, sobre o tópico "Preparação Física". No seu artigo, citou exemplos trágicos ocorridos no Exército Brasileiro, mas a FAB e a Marinha também possuem esses tristes números, na sua maioria, envolvendo alunos da Escola Naval, Colégio Naval, EPCAR e AFA. Sabemos que as três Forças não possuem um padrão único de atividades físicas para seus militares, então, por que ocorrem essas semelhanças de óbitos durante atividades físicas e treinamentos? Talvez, uma visão mais ampla precise ser feita...

Sabemos que a atividade militar exige (ou deveria exigir) um padrão psicológico, físico, médico e de conhecimentos técnicos além do que pode ser encontrado na sociedade comum (por assim dizer). Todavia, é patente que os processos seletivos impostos para o ingresso, assim como, seus exames médicos obrigatórios estão, na minha óptica, muito aquém do que deveria ser cobrado. Nas três Forças Armadas, sem exceção, os exames médicos de ingresso e a anamnese são feitos de forma rudimentar. Muitos males, tais como: pressão alta, arritmia cardíaca, hérnias etc. só são descobertos por militares quando a situação se torna bem mais crítica, ao invés de serem detectados ainda no processo de seleção. Exames mais rigorosos mostrariam o que deveria ser feito para combater o mal e não apenas usar artifícios paliativos. O engraçado é que, em se tratando de exames para piloto de avião/helicóptero, forças especiais, mergulhadores, paraquedistas e escafandristas o nível de exigência e tipos dos exames médicos são completamente diferentes. O senhor bem disse em seu texto que a obesidade mundial representa um dos vilões desta história toda, entretanto, s.m.j., é muito difícil encontrarmos um militar, que se inclui neste grupo menor de atividades especiais militares, obeso ou com falta de preparo físico, pelo contrário, conheço alguns oficiais generais que exibem disposição e condicionamento por vezes superiores aos mais jovens. Não acredito que estes militares possuam algum dom mágico ou predestinação para desempenharem atividades especiais, mas sim, que o processo seletivo e os exames complementares exigidos são bem mais rigorosos.

O Brasil é um país de contrastes e a saúde, educação e alimentação sadia nunca foram assuntos muito privilegiados por nossos governantes. Como podemos exigir de nossos militares um desempenho físico, intelectual e médico de altos níveis quando nossa base de alimentação é completamente fora dos padrões necessários?  Nos quarteis, embora haja sempre vozes que alegam que os cardápios passam pelas mãos de nutricionistas, a alimentação oferecida está sempre ligada ao binômio "MAIS BARATO X MAIS SOBRA LÍCITA". Excesso de gordura, fritura, sucos industrializados, carência de diversidade de frutas etc. Logicamente que o resto do Brasil, como um todo, possa se alimentar do mesmo jeito, porém, na sua grande maioria, não são exigidos em suas plenitudes como os militares os são. Esse é o ponto. Em geral, durante um dia de expediente normal, nossos militares gastam apenas cerca de uma hora em prol de atividades físicas e o restante do tempo enfurnados em salas fechadas gerenciando o setor administrativo. Penso que isso deveria ser o contrário. Artes marciais, treinamento físico de qualidade, cursos específicos, acompanhamento médico-psicológico, dentre outros, deveriam ser prioridade durante o período de expediente normal, mas não são. Assim, quando "alguém se lembra" que é preciso formar novas turmas ou fazer testes anuais, começa a correria e os militares, em grande parte debilitados de alguma forma, são exigidos ao máximo por pessoas que, nem sempre, detém o preparo adequado para tais funções. O resultado é esse que o senhor apresentou: mortes durante treinamentos em tempos de paz. O senhor também percebeu que tais óbitos ocorrem, na maioria, com aspirantes, cadetes ou alunos sendo preparados para serem oficiais, assim como, forças especiais? Intrigante, não acha?

Certa vez, li uma reportagem que falava sobre as mulheres que servem ao Exército de Israel. Mostrou-se o tipo de treinamento delas, que era o mesmo aplicado aos homens. Arrisco a dizer que boa parte dos militares brasileiros não consegue ter o desempenho militar que as mulheres israelenses apresentam. Sabendo-se que Israel é um país que merece o respeito do mundo no que diz respeito às artes bélicas, podemos afirmar que as mulheres de lá são super-humanos? Óbvio que não. Talvez a diferença esteja justamente no modo de preparação e escolha de prioridades para o treinamento de seus militares.

Andando pelos vários quartéis brasileiros, é fácil observar que uma grande maioria não tem a higidez física e preparo psicológico para enfrentar um combate "amanhã". Até porque, conhecendo o histórico do Brasil no cenário mundial, não sofremos ameaças bélicas de outros países, como é o caso de Israel, EUA, Inglaterra etc. Os militares brasileiros vivem na latência de serem chamados para ocupar um morro ou fazer segurança de atividades políticas ou ajudar na segurança do carnaval de Salvador. Enquanto isso, o nosso preparo está cada vez pior e, infelizmente, continuaremos a ver que esses óbitos em tempos de paz, para muitos, tratam-se apenas de mais um número a ser substituído numa lista de computador. Tenho a convicção de que, em caso de uma possível guerra, estas ocorrências seriam muito maiores e os óbitos por falta de preparo adequado atingiriam valores alarmantes. Por isso, peço sempre a Deus:    " Livrai-nos da Guerra".

Parabéns por sua iniciativa em expor para a sociedade este quadro negro de nossas FFAA.

Cordialmente,

JPTR

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